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D. Fernando II e a vila de Sintra

Em 1836, a rainha D. Maria II casou-se com um príncipe da Baviera, de grande sensibilidade artística. Seu nome era D. Fernando de Saxe Coburgo-Gotha e foi o principal agente transformador da cenografia monumental e natural de Sintra durante o século XIX.

O rei consorte não se entusiasmava com feitos militares nem com questões de governação. Vibrava, sim, com tudo o que lhe deleitava a visão, a audição e até o olfacto. Herdara do avô a paixão pela botânica e pelas artes.

Conhecia, admirava, colecionava ou executava trabalhos de arquitetura, pintura, escultura, gravura a água-forte e arte decorativa. Projetava e fazia crescer jardins e matas. Gostava de assistir a concertos e peças teatrais, participar em bailes e saraus e, ainda mais, de cantar em público. Não admira que o cognome de Rei Artista lhe fosse atribuído logo em 1841, pelo escritor António Feliciano de Castilho.

O Palácio e Parque da Pena

Durante a guerra civil que opôs liberais e absolutistas, Sintra viveu, assim como em todo o território do Reino, um período de tensão. Com a extinção das ordens religiosas, em 1834, parecia que Sintra ficaria mais votada à ruína e ao abandono.

Em Sintra viria D. Fernando a encontrar o terreno para a corporização do seu sonho, ao adquirir perante a Junta de Crédito Público, a 3 de novembro de 1838, as ruínas do antigo Real Mosteiro de Nossa Senhora da Pena – construção do século XVI – bem como a toda a mata circundante, incluindo o chamado Castelo dos Mouros. Aproveitando os claustros, a capela quinhentista e mais alguns anexos, concebeu um palácio-castelo, cujo resultado é expressão viva do ideal romântico.

Pormenor do Palácio da Pena

D. Fernando adquiriu o lote num leilão pelo preço da base de licitação, 700 000 réis, porque mais ninguém o licitou, talvez por se saber que o rei se interessara pela propriedade e porque se estipulava ficar o arremete obrigado a cuidar na sua boa conservação, visto ser um monumento nacional.

Começaram as obras em 1840, numa primeira fase com a recuperação das partes quinhentistas e a construção da Estrada da Pena. 

Parque da Pena e Palácio

Chamou para trabalhar no projeto o Barão Von Eschwege, arquiteto militar natural da Renânia e que trabalhava em Portugal como engenheiro de minas. Simultaneamente, D. Fernando e Eschwege, em íntima colaboração com o engenheiro Wenceslau Cifka, cuidaram de projetar e arranjar espaço envolvente, com a plantação das primeiras árvores no Parque da Pena. 

Com estes trabalhos realizados era preciso proteger o solo para este não secar. Os três homens encontraram a solução mais natural: a pervinca. A pervinca é, provavelmente, a planta perene mais utilizada na cobertura do solo, formando um tapete denso de folhas verdes escuras brilhantes, repleto de flores azuis na primavera. 

Pervinca, presente no Parque da Pena

A direção das obras do palácio foi entregue ao pintor-cenógrafo italiano Demetrio Cinnati, sob orientação direta do barão e do rei.

Em 1869, catorze anos depois da morte de D. Maria II, D. Fernando voltou a casar. Aconteceu o rei apaixonar-se pela cantora Elisa Frederica Hensler, elevada à nobreza pelo príncipe Ernesto II que a agraciou com o título de Condessa d’Edla. Foi esta segunda esposa de D. Fernando a responsável direta pela arborização e embelezamento do Parque da Pena, e tapadas anexas, sobretudo a partir de 1870.

Parque da Pena (pormenor)

Amor contestado por muitos, onde não faltaram as costumadas intrigas de corte, refugiou-se o casal em Sintra, num dos recantos do Parque da Pena. Para ter morada separada do Palácio, D. Fernando mandou edificar o chamado Chalet da Condessa d’Edla, aberto ao público para visita desde 2011.

Chalet da Condessa d’Edla

Esta apetência por Sintra, fomentada por D. Fernando, rapidamente se transformou em moda e, mais do que isso em ambição de um determinado estrato da sociedade: o burguês/liberal/romântico, que saíra triunfante da guerra civil, acorre a Sintra e elege a vila como estância predileta para veraneio

Ter casa em Sintra era sinal de fortuna, de bom gosto, de importância política e social. Assim vão nascendo os palacetes e chalets ao redor de um centro urbano que também ia crescendo, com o surgimento de acolhedoras unidades hoteleiras, algumas delas eternizadas na literatura abundante do período romântico que dedicou belas páginas à vila de Sintra.

Outros edifícios e objetos artísticos recuperados por D. Fernando II:

Palácio das Necessidades: D. Fernando procedeu a importantes obras de remodelação e de decoração no paço das Necessidades

Convento de Tomar: Além do deslumbramento que a célebre janela lhe provocou – sendo que se inspirou na mesma para a decoração do Palácio da Pena, criando a arte neomanuelina – o rei também pressionou o mais que pôde para que se realizasse obras de reconstrução do convento.

Mosteiro dos Jerónimos: Conseguiu que se procedesse à limpeza de colocação de vidros mas foi depois, já no reinado de D. Luís, que se fizeram obras de vulto, projeto em que D. Fernando se envolveu.

Mandou ainda reconstruir o Paço dos condes de Barcelos, que se apresentava em quase total estado de ruína.

Visitou também outros monumentos como os Mosteiros de Alcobaça e Batalha, em 1836, em que se sentiu simultaneamente fascinado, com a sua grandiosidade, e chocado com o estado degradado em que se encontravam.

D. Fernando II não era o tipo de homem que sonharam os ministros da jovem D. Maria II (e ela própria) quando, em 1835, procuravam um rei consorte para Portugal. D. Fernando nunca se interessou genuinamente pelo governo do país, pelas reformas a concretizar. Contudo, não lhe faltava perspicácia e capacidade da análise política.

Apesar disso, Portugal deve a D. Fernando a preservação do seu património monumental então totalmente negligenciado. As suas ações fizeram com que alguns monumentos fossem salvos da ruína e, consequentemente, parte da História de Portugal se perderia para sempre.

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